quinta-feira, 19 de abril de 2012

Aprender-a Ser, O Manto dos Três Fios

Desde tempos antigos que a Ciência Sagrada foi dividida em três áreas – Religião, Arte e Ciência – para que o Homem se tornasse mais sábio e pudesse finalmente compreender a Deus. O Conhecimento espartilhado permitiria uma assimilação lenta, mas efectiva do mesmo, bem como uma maior profundidade nas áreas acima mencionadas.

Os Senhores da Forma, pertencentes à Hierarquia de Escorpião, ajudam-nos nesta fase; porém esta assimilação faseada esconde os seus perigos, sendo o mais evidente a visão espartilhada e, portanto, parcial, que temos do que nos rodeia. Desde cedo, somos ensinados a conhecer um objecto não só através dos sentidos físicos, mas medindo, comparando, criticando, avaliando, tendo no final uma visão parcial, mais ou menos completa do mesmo, ou seja, adquirimos uma ideia ou várias sobre o nosso alvo, mas não conhecemos o nosso alvo em si mesmo, na totalidade.

No entanto, de retalho em retalho, cada um vai tecendo o seu próprio manto com três fios (Religião, Arte e Ciência), até que no final de tal lenta e laboriosa tarefa, o mesmo nos possa envolver na viagem de regresso a Casa, libertando-nos, por fim, do ciclo do renascimento.

Neste momento, o nosso tear move-se lentamente, com paragens e recomeços perturbados; os fios emaranhados impedem o tear de trabalhar de forma serena e equilibrada. Porque escolhemos habitar um tempo de rápidas mudanças, com as quais temos bastante dificuldade em lidar, o que nos causa sofrimento e angústia.

Cabe a cada um procurar desembaraçar os novelos; cultivar em sua própria vida o seu lado espiritual, descobrir o seu talento e tornar-se mais conhecedor do mundo que nos rodeia. De nada nos servirá pedir para Deus nos mostrar o nosso talento pois só obteremos silêncio; no entanto, Deus dar-nos-á a oportunidade de descobri-lo. De nada servirá pedir a Deus para nos ajudar a desenvolver o nosso lado espiritual; porém, dar-nos-á a oportunidade de o fazer. E assim sucessivamente...

Esta atitude torna-nos atentos às oportunidades diárias, aos acontecimentos mais comezinhos que somos convidados a viver, a descobrir-lhes o sentido; torna-nos activos e responsáveis pelas nossas escolhas, pois só pela experiência nos tornaremos sábios, em suma, transformamo-nos em seres ca da vez mais conscientes. Dito de uma outra forma, viver de forma responsável, activa e atenta potencia a expansão da nossa consciência.

Neste ano novo que se aproxima, Deus não construirá o nosso manto, mas dar-nos-á oportunidade de recomeçar o lento caminhar do nosso tear, nas diversas áreas da nossa vida. Saiba cada um tecer o seu com suavidade, deixando que os dedos sintam os três fios dos novelos: amor, criatividade e sabedoria.

Maria Coriel

Aprender-a-Ser, A Asa do Grifo

Vivemos num tempo competitivo que nos divide interiormente e nos isola dos outros. Vivemos num tempo ruidoso que nos atrofia o espírito e satura os nossos corpos. Vivemos num tempo opressivo, prisioneiro da matéria, submissos ao racionalismo tecnocrático.

Enquanto sociedade não integrámos completamente a transcendência, por isso não integrámos em nós o que está para além do visível, da razão, em suma, o divino em nós. Estamos agrilhoados à terra. O espírito sofre por não poder voar para além dos estreitos limites da razão. Neste tempo de olhares parciais, o nosso caminho tende a tornar-se igualmente redutor.

Porém, não conseguiremos libertar-nos das prisões exteriores sem primeiro ter desamarrado os grilhões interiores que nos prendem a muitos cais antigos. O Outono caminhando sonolento até nós é o tempo propício, convidando-nos à reflexão, a um abrandamento da actividade física. Será um bom tempo para trabalharmos o desapego interior; a libertação de padrões mentais e comportamentais que nos fazem prisioneiros das emoções dos outros. Sem nos darmos conta, a maioria de nós torna-se inconscientemente cativo das emoções primárias vividas pelo que nos estão e são próximos. O ciúme, a insegurança, a intolerância, a violência, o ódio, o medo, a inveja tornam-nos cativos do mundo distorcido e opressivo dos outros. É preciso saber criar um distanciamento e deixar que cada um enfrente os seus próprios fantasmas, através das suas próprias experiências. É necessário que cada um aprenda a elevar as suas vibrações mais primárias. Se nos deixarmos enredar em aprendizagens que não são nossas e em teias alheias, acabaremos por tornar-nos doentios e impedir o voo do nosso próprio espírito que, pela sua natureza, é livre e amoroso. Além disso, não estamos fomentar a evolução do próximo porque alimentamos com a nossa fraqueza as suas vibrações mais densas.

Maria Coriel

O Tempo da Serpente

Escolhemos habitar um tempo de transição para o qual julgamos não estar preparados. A mudança traz múltiplas transformações dentro e fora de nós que, pela sua rapidez, nos convocam a responder de forma igualmente rápida e decidida.

No entanto, escolher num período caracterizado pela dispersão, pela mudança, pela incerteza, pelas dificuldades torna-se um desafio às nossas capacidades, ensonadas por alguns anos de facilitismo e alguma apatia. De todas as faculdades há uma que, neste tempo, precisamos de desenvolver: o poder de regeneração aos níveis interior e exterior. Somos, assim, semelhantes à serpente que despe a pele velha e cujo o próprio corpo tem a capacidade de se regenerar.

Empurrados pelo instinto de sobrevivência, não podemos ser levados pela emoção numa corrente desabrida. É preciso parar, renascer, equilibrando o lado mental e afectivo, seguir uma orientação, ter um objectivo a cumprir de cada vez; saber também visualizar o resultado esperado.

Para que aflore em nós o novo, há uma casca velha e pesada que precisamos de abandonar: a lamentação, a autocomiseração, a vitimização que faz de nós presas fáceis da indolência e da insegurança.

No entanto, antes de renascer muitas questões necessitam de ser equacionadas: faremos nós aquilo de que realmente gostamos?Gostamos do que fazemos, mas necessitamos de renovar o modo como o fazemos? Deitamo-nos agradavelmente cansados ou frustrados por não termos feito aquilo de que gostaríamos? Gerimos bem o nosso tempo? Somos suficientemente disciplinados para cumprirmos o que estipulámos? Fomos generosos connosco e com os outros? Sentimo-nos conectados conscientemente com o nosso interior e com o divino?

Estas e outras perguntas podem ser aclaradas durante o processo de regeneração que acontece muitas vezes durante a vida e se processa por ciclos mais ou menos lentos. Vagarosamente, umas vezes por nossa iniciativa, outras por imposição da vida, vamos abandonando as cascas grossas que pesam, magoam e atrasam o nosso processo evolutivo.

Se escolhemos viver na transição entre dois tempos, devemos consciencializarmo-nos de que chegou o tempo de arrumar o quarto interior e de participar também na reorganização exterior em marcha, numa grande parte dos países. Chegámos ao final de uma estação; é tempo de colocar de lado o que nos faz dispender energia desnecessária, abandonar hábitos nocivos, deixar para trás padrões de pensamentos negativos, revitalizar a fé, reencontrar quem somos; observar se quem somos coincide ou não com quem nos tornámos. As fissuras que abundam no exterior quer sejam em forma de guerras, divisões entre famílias, atritos entre países, entre outros, espelham a divisão existente em cada um de nós.

Renascer é um exercício semelhante ao arrumar o roupeiro em fim de estação; pomos de lado o que está desadequado ao tempo presente, usamos apenas o necessário e adequado ao novo tempo. É preciso ter coragem e sentido prático para deitar fora o que já não serve o nosso momento evolutivo.

Do poder de regenerar não só faz parte aprender a reutilizar, reciclar mas também aprender a lidar com o corte, com as separações, com as fissuras. Regenerar é sinónimo de mudança, delineando com segurança o que já não queremos voltar a viver e a ser. Regenerar é sinónimo de transformação criativa; renascer deverá ser um acto con(sentido).

Maria Coriel

segunda-feira, 27 de junho de 2011

À procura da felicidade

Procustes: o ladrão de almas

Este mito conta a história dos caminhantes que viajavam para Atenas e eram atraídos por Procustes que lhes oferecia abrigo e comida. Uma vez deitados, Procustes amarrava-os e verificava se cabiam na cama, cortando-lhes as partes sobrantes, se fossem demasiado grandes, ou esticando-os dolorosamente, se fossem muito pequenos.

Esta narrativa constitui uma metáfora de uma parte da nossa vida. Atenas simboliza o centro dos nossos objectivos, o sucesso a atingir, o êxito que delineámos. Mas nós não somos os únicos autores desta construção mental, do que idealizámos para nós. Os nossos pais começaram desde cedo, estabelecendo patamares que gostariam de ver realizados, depositando em nós muitas expectativas. No entanto, na maior parte das vezes, o seu sonho ainda menino não tem em conta a nossa singularidade, as nossas possibilidades e tendências, traços que a Astrologia ensina a identificar. O bebé que recebem é uma projecção do ser ideal, distante do ser real.

Deste modo, Atenas é a metáfora de felicidade que varia consoante a cultura em que nascemos, o grupo social, a educação que recebemos, o sexo e a religião em que nos encontramos integrados. Atenas resulta, assim, de um triângulo nem sempre em equilíbrio: do meio envolvente, do que desejamos e do que os outros esperam de nós, aos níveis familiar, afectivo, profissional e social.

Desde que nascemos que nos empurram para Atenas, ensinando-nos, moldando-nos, castigando-nos ou premiando-nos, durante as sucessivas etapas da infância e da juventude. Primeiro a família, depois a escola, o grupo de amigos, vamo-nos moldando, sempre em função de padrões comportamentais, em busca de sucesso, de reconhecimento, de aprovação, de afecto.

Este processo de automutilação psíquica e de sacríficio desmedido acontece-nos amiúde e de forma inconsciente, muitas das vezes: quando a família nos crítica por determinadas atitudes ou devido a traços da nossa personalidade, quando o grupo nos rejeita por algum aspecto do nosso carácter, quando somos humilhados pela imagem física, quando sentimos que podemos ser abandonados por uma determinada atitude e tememos actuar, quando as memórias nos magoam e as amachucamos no fundo de nós, quando adoptamos posturas para não perdermos o emprego ou para subirmos na escala social. Desmembrando-nos ou esticando-nos, lá vamos a caminho de Atenas, aquela que projectámos, a terra prometida.

O processo de moldagem – através do castigo, do prémio, da humilhação, do medo, da culpa, do julgamento social, da dor - de adaptação à cama de Procustes é dolorosa porque vamos abdicando de partes de nós, esquecendo outras, adormecidas e jogadas para o fundo do nosso íntimo, sacrificando-nos até não podermos mais. Aprendemos, ainda que distorcidamente, que devemos tudo isso para não sermos abandonados, rejeitados, humilhados, para não deixarmos escapar a felicidade, o sucesso profissional, o amor.

Com o tempo, vamos perdendo a autenticidade, afastamo-nos da nossa natureza divina, amorosa e livre. Ficamos presos à cama de Procustes. Corremos sérios riscos de nos tornarmos inseguros, medrosos, ansiosos, amargos, intolerantes, perdendo pouco a pouco a autoestima. Vamo-nos isolando em terrenos íntimos, descrentes de que alguma vez atinjamos Atenas, mas, ainda assim, ela permanece como a terra prometida, até se tornar uma imagem distante, embaciada, difusa.

Quando somos lançados em ciclos de crise profunda, somos convidados a descer ao mais íntimo de nós. Aí, olhamo-nos e vemo-nos a caminhar coxeando, porque mutilados; perdemos o equilíbrio, a segurança no andar. O sacrifício trouxe-nos um cansaço que secou a alma. Ao que sobrou de nós, juntam-se anos de medos, de culpas, de cansaços, de humilhações, de dor, de ressentimentos, de mágoas. Olhamos pedaços de nós que foram esquecidos, adiados, cortados e jogados fora.

As crises podem ser processos de recuperação do nosso ser, de retorno à nossa autenticidade, de (re)decoberta da nossa natureza divina. Só nós podemos iniciar a mudança, só nós podemos resgatar-nos do processo de mutilação e de sacríficio desmesurado a que concordámos em nos submeter. Só nós podemos libertar-nos do que nos oprime e restringe. Só nós podemos sonhar Atenas, de novo, em função do que somos, do que queremos, do que valorizamos, do que é autêntico e verdadeiro para nós, do que amamos. Só nós podemos devolver a nós próprios a inteireza perdida.

Maria Coriel

Momentos de crise

Em situações de crise há duas saídas que se oferecem ao nosso caminho: a porta de emergência e o alçapão.

Saídos de um ciclo de sofrimento, somos dominados pela ansiedade, pela fome de envolvimento emocional profundo, pela necessidade de protecção e de compreensão, pelo desejo de viver novas experiências, por isso, optamos quase sempre pela primeira que nos devolve rapidamente ao mundo concreto com novos desafios que nos mantêm à tona das coisas, embora anestesiados e confusos.

O alçapão é pesado e difícil de levantar. Abre-se lentamente para o mundo subterrâneo, activo, fértil, porém, desconhecido; é o território da psique e do sagrado que em nós habita. Escada íngreme e solitária que se vai iluminando à medida que empreendemos a lenta tarefa de restaurar o que em nós está esquecido, mutilado, perdido. Convida-nos a resgatar a nossa essência, ao auto-conhecimento, a viver o que valorizamos, a rejeitar o que está desadequado ao novo tempo, à cura, ao perdão, à expansão da consciência, enfim, conduz-nos ao ciclo da maturidade.

A primeira porta devolve-nos à aparência, a segunda conduz-nos à essência. A primeira mascara e confunde com a energia breve e intensa das novas emoções, que nos mantém activos e expectantes , as reais necessidades do nosso ser. A essência permite o reencontro com a nossa verdadeira natureza íntima e sagrada que nos devolve um sentido à nossa existência.

Se vives o tempo da encruzilhada, estás a ser convidado a escolher entre a aparência e a essência. Aconselha-te com o silêncio e na oração, mas não te demores. "O mestre abandona o discípulo que hesita".

Maria Coriel

Escutando o Rio a Fluir...

Há tempos que são de espera. Nada nos pedem. Nada nos querem dizer. Nada acontece de novo. Desconcertante. Fomos educados para produzir. Fazer muitas coisas. Queremos mudar. Experimentar emoções diferentes.

A casa do silêncio é ampla. Sentimo-nos sós. Perdidos. Forçamos o tempo. Distraímo-nos. Ocupamo-nos. Apressamo-nos a ir para algum lado. O tempo responde-nos com o silêncio. Porque há tempos que são de escuta. De imobilidade. Voltamos, de novo, ao ponto de partida.

A cada um o tempo de espera ensina coisas diversas, mas a todos deixa os mesmos recados: aprender a estar imóvel; nem tudo depende inteiramente de nós.

Se estás nesse tempo, senta-te e escuta o rio que flui. Não para ouvir o que ele tem para te dizer, mas para escutares o que a tua alma tem para lhe contar.

Nesse momento, desenhar-se-á um novo tempo. Conciliador. Entre o que aprendeste sobre ti e o que o mundo te preparou.

No tempo fértil, serás, então, convidado a sair da casa do silêncio e a desenhar novos gestos no dia claro.

Maria Coriel

O Labirinto

O mestre deu ao discípulo uma longa lista de instruções precisas para encontrar um retiro onde habitava o maior sábio daquele tempo. Em cada área de descanso, deveria retirar algo que comprovasse a sua passagem.
O discípulo pôs-se a caminho, palmilhando terras diversas e atravessando rios. Finalmente, chegou ao lugar indicado cheio de certezas e de coisas. Deparou com uma terra estéril de gentes, de verdura e de água.
Aprendeu o discípulo: o falso mestre conduz sempre o discípulo ao ponto de partida.

Maria Coriel